A decisão administrativa consolida direito reconhecido pela Justiça e afasta tentativa de reclassificação de terras produtivas como devolutas
O Instituto de Terras de Mato Grosso (InterMAT) reconheceu oficialmente o domínio de uma extensa área rural localizada atualmente no município de Sorriso (MT), pertencente ao espólio de Edmund Zanini, consolidando no âmbito administrativo um direito de propriedade já reconhecido anteriormente pela Justiça. A decisão põe fim a um processo administrativo que tramitou por mais de sete anos no órgão estadual e representa um marco em uma das mais longas disputas fundiárias ligadas ao agronegócio brasileiro.
O reconhecimento envolve mais de 90 mil hectares, correspondentes aos lotes Ribeirão do Ouro, Ribeirão do Vale e Concórdia — área que representa mais da metade do patrimônio fundiário da família Zanini e está inserida em uma das regiões mais produtivas do país, no cinturão da soja, do milho e do algodão.
Embora os registros históricos façam referência ao município de Rosário do Oeste, o próprio InterMAT reconhece que se trata de documentos da década de 1960, período em que municípios como Sorriso ainda não existiam. À época, Rosário do Oeste abrangia uma vasta extensão do norte do Estado, o que explica a referência administrativa original para áreas que hoje se encontram em outros municípios.
No Parecer nº 04782/2025, o InterMAT é categórico ao afirmar que se trata de domínio judicialmente consolidado, com Auto de Demarcação homologado em 1973, registro imobiliário válido e proteção por coisa julgada material, direito adquirido e ato jurídico perfeito, afastando qualquer interpretação que caracterizasse a área como terra devoluta ou passível de aquisição pelo Estado.
Um conflito que atravessa gerações
A decisão administrativa se insere em um contexto histórico complexo, que remonta ao início da ocupação privada da região norte de Mato Grosso. Edmund Zanini, cidadão americano, adquiriu extensas áreas rurais no Estado no início da década de 1960, período de expansão da fronteira agrícola brasileira. Parte dessas terras foi posteriormente alvo de uma fraude cartorial nos anos 1970, que permitiu a venda indevida das propriedades por terceiros, sem o conhecimento ou autorização da família.
A partir da década de 1980, o caso passou a tramitar no Judiciário mato-grossense, dando origem ao litígio que ficou conhecido regionalmente como o “Conflito do Americano”. Ao longo das décadas, a família Zanini buscou comprovar a falsidade dos atos que transferiram indevidamente suas terras e assegurar o reconhecimento de seus direitos, em meio à ocupação produtiva da região por agricultores que adquiriram as áreas em meio a processos questionáveis. A Justiça reconheceu o direito da família à indenização, em valores ainda pendentes de definição.
A decisão administrativa ocorre em um contexto sensível. Nos últimos anos, enquanto o processo tramitava no InterMAT, surgiram movimentos regionais que buscavam a aquisição das áreas pelo Estado, com base em interpretações equivocadas que tentavam enquadrar as terras como devolutas. Tais iniciativas avançaram paralelamente às discussões administrativas e judiciais, apesar da existência de títulos válidos e de decisões judiciais já consolidadas.
Ao analisar o pedido de averbação, o InterMAT afastou expressamente essa leitura, esclarecendo que não se trata de regularização fundiária, concessão de domínio ou reconhecimento de terra devoluta, mas exclusivamente da publicidade cadastral de um direito constituído há mais de cinco décadas, devidamente reconhecido pelo Judiciário. O órgão também rejeitou a aplicação retroativa de normas posteriores, como o Decreto nº 1.469/2012, reafirmando a segurança jurídica do caso.
O reconhecimento administrativo soma-se a um litígio judicial que se arrasta desde os anos 1980, conhecido regionalmente como o “Conflito do Americano”. À época, Edmund Zanini e sua família comprovaram ter sido vítimas de fraude cartorial que permitiu a venda indevida de suas terras por grileiros, dando origem a uma cadeia de ocupações e disputas judiciais. Em vez de desalojar produtores que adquiriram áreas de boa-fé, a Justiça reconheceu o direito da família à indenização, em valores que ainda dependem de cálculo definitivo.
Para os advogados Ruben Seidl, Josmeyr Oliveira e Adarcir Seidl, responsáveis pelo caso, a decisão do InterMAT tem impacto que vai além das partes envolvidas.
“O que se consolida aqui é o respeito à coisa julgada e ao direito adquirido. A Administração reconhece que não pode relativizar decisões judiciais nem reclassificar terras tituladas como devolutas. Isso traz segurança jurídica para toda a região produtiva”, afirma Ruben Seidl.
“Foi um procedimento longo, submetido a diversas análises técnicas e jurídicas dentro do próprio InterMAT. O reconhecimento afasta definitivamente interpretações equivocadas e encerra uma instabilidade que se prolongava no plano administrativo”, pontua Josmeyr Oliveira.
A decisão determina a averbação do título judicial na base fundiária do Estado, a inserção definitiva do perímetro no cadastro do InterMAT e a publicação de edital, conforme o rito administrativo, reforçando a transparência do ato.
Com isso, a família Zanini consolida mais uma vitória institucional em uma disputa que atravessa décadas, encerrando uma etapa decisiva de um dos mais emblemáticos conflitos fundiários relacionados à expansão do agronegócio no Mato Grosso.
